domingo, 3 de junho de 2012

O evangelho segundo os moleques de pinto "en-cãibra-do"


A partir da idéia de Heráclito, o psquiatra C .G. Jung, explicou a revolta do espírito dos homens e mulheres modernos diante da exaltação dos valores deste mundo em detrimento dos valores espirituais. Jung afirmava que a alma humana é movida por opostos, necessidades e instintos, e que a tensão entre eles é o elemento gerador de vitalidade e criatividade. Seguindo essa lógica, toda vez que uma tendência oprime o seu oposto, essa tal tendência oposta, em algum momento inicia uma revolta, afim de encontrar novamente o equilíbrio. 

Como a opressão de um castigador desperta a revolta do oprimido, assim também se comporta o espírito humano quando oprimido por alguma tendência. Por isso, o triunfo do racionalismo, construiu um mundo de pessoas desiludidas, famintas pelas "coisas do espírito", e que agora reinvindicam o direito de simplesmente "sentir", de descobrir-se, de navegar pelos misteriosos mares de sua existência.

Pensando nisso, o que dizer sobre os anos de mutilação, de padronização dos indivíduos, de arregimentação manipulativa por parte das instituições eclesiásticas? Que tipo de revolta essas não provocariam no espírito humano? Não me espanta a tão frequente desistência por parte de muitos, em construir uma vida religiosa "dentro" de uma Igreja. Está crescendo o movimento "ser Igreja", guiado pela necessidade de dedicar atenção aos oprimidos deste mundo, exaltando o amor como única Lei suprema, abandonando os dogmas e valorizando o encontro com Deus na interioridade. Essa é a tentativa do espírito humano de equilibrar as coisas. Ora, deste movimento sou adepto, pois para mim jamais houve outro movimento senão esse mesmo. 

O que me preocupa é que outrora me alegrei ao ver os que despertavam para o real sentido do Evangelho e que viam para além da hipocrisia institucional, mas hoje entristeço-me ao ver o rumo que alguns tem tomado. Esses que, tendo começado bem, estão terminando mal, e muito mal, vêm nulificando a própria existência, presunçosamente cavando com os pés seus próprios abismos. Correndo para o extremo oposto do que se tem visto em muitas instituições religiosas, como a alienação social, a coagem dos mosquitos aliada ao saboreio dos camelos, a dominação dos líderes sobre seus liderados, a ideologia do "Deus disse para não comerdes de toda a árvore do jardim (Gn. 3: 1)", cujo idealizador foi o próprio Satanás; e nessa corrida, estão abrindo-se para o ativismo, para o "tudo pode" inconsequente, para o "ninguém é de ninguém", e assim não vão sendo nem mesmo de Cristo. São pirralhos, deviam se unir ao cantor Alexandre Pires em sua indagação: "O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade [...]?". Parece que não sabem viver livres. 

Tais são moleques de pinto "en-cãibra-do", pois viveram uma vida tão regida pelas normas da religião, pelas tormentas culpabilizadoras, pelos "não pode", que agora resolveram chutar o pau da barraca, se tornarem livres de todo comprometimento com a Lei, relativizam-a toda. São como moleques que, de tão reprimidos, quando se vêem livres das proibições neuróticas, das endemonizações sexuais, passam a sofrer de "cãibra no pinto", decorrente de suas tantas masturbações existênciais.

Descobrem que beber não é pecado como lhe haviam anteriormente ensinado, então enchem a cara, pegam todas, curtem suas baladinhas descompromissadas, e vão cuidar dos pobres no dia seguinte (afinal é SOMENTE isso que importa, não é?). Se afastam tanto da fé, que já não mais oram, pensam que é tudo neurose religiosa, lêem a bíblia somente para debatê-la, pois agora tem Marx para ampará-los. Por compreenderem (e corretamente o fazem) como malina a dicotomia sagrado x profano, lançam-se à profanidade, não acompanham o Mestre nem uma hora sequer. O apóstolo Paulo desesperançosamente, lhes diria: "Assim como nunca me obedeceram, sei que muito menos agora em minha ausência, virão a me obedecer, pois não tem temor algum por coisa nenhuma". Não suportam uma única exortação. Abandonaram todo e qualquer referêncial.

Moleques! Saibam que não fomos chamados para a hipocrisia, e muito menos para a libertinagem. Não sabem que quem serve ao pecado é dele escravo? E a quem vocês servem? Veja como gozam e já não sentem prazer algum, como estão presos a Cristo somente por discurso, mas fazem do próprio corpo instrumento de impurezas, e da vida razão de escândalo para os pequeninos. Peço a vocês que relativizem sim todas as coisas, mas relativizem-nas pelo amor. O amor é capaz de relativizar toda ética e moral, qualquer outro sentimento que busque fazê-lo, levedará toda a massa, principalmente a presunção sapiencial. Pois, de que vale saber que não é pecado ouvir "música do mundo"? Somente o prazer de desrespeitar os mais conservadores? Tentarás a consciência alheia porque a sua está limpa? Como lhes mostrarão a verdade? 

Vejam se não é assim que muitos tem vivido. Fogem da vigilância ditatorial das instituições hipócritas, afim de se verem livres para agirem como quiserem. São libertinos. Julgam saber muito, mas nada sabem como convém saber. Seus ancestrais são os coríntios, inchados pelo saber, de tal modo arrogantes, permitem entre eles impurezas tais que escandalizam até mesmo os incrédulos.

Irmãos, não fale em amor sem amar. Em amor, o Mestre sujeitou-se à Lei e também enfrentou seus defensores (da Lei) quando fora necessário, mas em tudo buscou salvar a todos. Assim como Paulo, que O imitou, busquemos, não o nosso próprio querer, mas o de muitos, para que sejam salvos. A todos que outrora tinham a religião como vosso senhor, assenhoreiem agora e sempre a Cristo em vossos corações, com temor e tremor, pois a Ele, todos prestaremos conta. 

Por mais um dos que nEle lutam para manter-se equilibrados num mundo de opostos. 

Os mais que infelizes

Há uma felicidade maior que a de um cego que passa a ver, que a de um paralítico que passa a andar, que a de um cativo que se torna liberto. Sim, essa é a proposta de Jesus nos evangelhos, visto que o “levanta e anda” que Ele disse ao paralítico, foi tão somente para que os "da platéia" cressem, enquanto ao que carregava a vergonha e o peso de culpa imposto por aqueles que o viam como um pecador mais pecador (pelo fato de ter de ser carregado para ir a um lugar ou outro), bastava ouvir: “os seus pecados estão perdoados”, e nisso encontrara felicidade maior que vida. Sim, a Graça é melhor que a vida, posto que sem a Graça, a vida, ainda que repleta de mecanismos produtores de felicidade, não tem graça nenhuma, perde o brilho, não se faz suficientemente satisfatória. 

Ora, para o paralítico não era uma vergonha ser paralítico, o que tornava sua condição vergonhosa era a estrutura social na qual estava inserido, eram as zombarias das crianças ensinadas por seus pais a vê-lo como um maldito, esquecido de Deus. Era a impossibilidade de alcançar perdão da parte de Deus, visto que não devia ter condições financeiras para comprar o perdão que se vendia nos templos. Isto posto, imaginava-se então, que somente um milagre poderia apagar a vergonha daquele homem, somente se ele passasse a andar, arrumasse um emprego e com seu salário pagasse um sacrifício no templo, pela mediação dos sacerdotes, receberia então o seu perdão. O Filho do Homem, no entanto, tem poder para operar milagres, mas ainda mais, o maior milagre de todos, o que é impossível aos homens, mas possível a Deus, o de salvar a alma, de perdoar os pecados. Talvez a ciência se ocupe de reverter as outrora irreversíveis condições humanas, fazendo paralíticos recuperarem movimentos, cegos tornarem a enxergar, medicando as doenças psíquicas, antes tidas como possessões demoníacas, mas perdoar pecados é coisa que só Deus faz. Nisso reside a felicidade maior que a vida, e daí mesmo nasce um caminho de felicidade elevada acima das alegrias que se pode sentir nesse corpo.

É o que o Mestre propõe ao proferir suas bem-aventuranças. Rodeado por ex-cegos, ex-paralíticos, ex-endemoninhados, Ele começa dizendo-lhes uma lista daqueles que são “mais que felizes”. Mais felizes que os que tiveram sua condição de tristeza transformada, cujo lamento tornou-se júbilo, cujo corpo deixou de ser dominado por espíritos malignos, Ele diz, são os pobres, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacificadores, os perseguidos por causa da justiça e pelo nome dEle. Ele está dizendo que a maior felicidade não reside no fato de sermos “ex-alguma coisa” e sim em acolher no coração o Reino de Deus, tendo-o como preciosíssimo para a sua existência. Isto de tal maneira que viver aqui não seja em busca do aplauso dos homens, nem das fortunas, nem se gloriando em suas próprias obras, mas gloriando-se nEle, como um mendigo que exulta em gratidão ao que lhe estende a mão em ajuda; que viver aqui seja em lamento pela condição desse mundo caído, cônscio da infinita distância que há entre aquilo que somos e o que deveríamos ser; que viver aqui seja lançando a Deus o direito de vingança, de tal modo que o prejuízo vivido não seja compensado com o ódio; que se tenha fome e sede por equidade, pela verdade; que a misericórdia brote no coração do que compreende-se necessitado de receber a mesma misericórdia da parte de Deus; que o coração não carregue as máculas do ódio, da condenação; que façamos paz e não guerra; que as perseguições não nos façam esmorecer no propósito de tornar reais todas as bem-aventuranças anteriores; que a perseguição por parte das trevas seja razão de alegria, pois apenas nos mostram que estamos no correto caminho.

Mas quero alertar que o contrário disso é também possível. Pois se há como ser mais que feliz, há também como ser mais que infeliz. Sim, há sempre como ir mais fundo que o fundo do poço. Há uma desgraça maior que qualquer sofrimento. Há a possibilidade de se ter saúde, riqueza, autonomia, e ainda assim viver mais infeliz que um pobre escravo doente. Nesse caso, se lermos as bem-aventuranças ao avesso, encontraremos a receita para a infelicidade mais profunda, e, pasmem, tem muita gente que segue essa lista à risca.

E aí está ela, a receita para uma vida de infelicidade profunda: Se pense agradável a Deus por si mesmo, ame os aplausos dos homens e as riquezas deste mundo, viva sempre uma vida estética, maquiando-se para receber os elogios dos homens; aliene-se de tudo o que causa dor na alma, vista a mais sólida armadura da indiferença, de modo que não derrame uma lágrima sequer por coisa alguma, sim, preserve sua vida com tudo o que puder; viva a retribuir o mal com o mal; ame a mentira e o engano, desprezando tudo que se possa chamar de justo; não se veja necessitado de perdão algum, e assim torne-se, portanto, livre da responsabilidade de aceitar a imperfeição de teu próximo, sim, se pense perfeito, encha-se de tal arrogância e presunção; aceite como naturais as máculas em seu coração; tenha sempre o desejo de oprimir e dominar sobre outrem; não opte pela justiça, antes, preserve sempre a si mesmo (cabe dizer isso novamente); e por fim, assuma seu lugar em meio à multidão dos que zombam dos profetas e não lhes dão ouvidos, prepare sua melhor pedra e arremesse no meio da testa de alguém que fala segundo a verdade. Sim, siga essa lista e seja “mais que infeliz” em sua existência ou considere tudo o que Jesus falou, crendo, sendo e assim crescendo na Graça e no conhecimento de Deus, desfrutando daquilo que seja a mais intensa forma de ser feliz.

Por mais um dos que sabem que há uma felicidade maior que tudo na vida.