terça-feira, 14 de junho de 2011

Conhecer a Deus - Blaise Pascal


O Deus dos cristãos é um Deus que faz sentir à alma que ele é o seu único bem; que todo o seu repouso está nele; que não terá alegria senão em amá-lo; e que lhe faz ao mesmo tempo abominar os obstáculos que a retêm e a impedem de o amar com todas as suas forças. O amor-próprio e a concupiscência que a detêm lhe são insuportáveis. Esse Deus lhe faz sentir que ela tem esse fundo de amor-próprio e que só ele pode curá-la.

(Eis o que é conhecer Deus como cristão. Mas, para conhecê-lo dessa maneira, é preciso conhecer ao mesmo tempo a sua miséria, a sua indignidade, e a necessidade que se tem de um mediador para se aproximar de Deus e para se unir a ele. É preciso não separar esses conhecimentos porque, uma vez separados, são não só inúteis, mas nocivos.) O conhecimento de Deus sem o da nossa miséria faz o orgulho. O conhecimento da nossa miséria sem o de Jesus Cristo faz o desespero. Mas, o conhecimento de Jesus Cristo nos isenta não só do orgulho como do desespero, porque encontramos nele Deus, a nossa miséria e a via única de a reparar.

Podemos conhecer Deus sem conhecer as nossas misérias, ou as nossas misérias sem conhecer Deus; ou mesmo Deus e as nossas misérias, sem conhecer o meio de nos livrarmos das misérias que nos afligem. Mas, não podemos conhecer Jesus Cristo sem conhecer ao mesmo tempo Deus e as nossas misérias, assim como o remédio das nossas misérias; porque Jesus Cristo não é simplesmente Deus, mas um Deus reparador das nossas misérias.

Blaise Pascal (1623-1662)

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Oração pela Pérola

"Senhor, me apresento diante de Ti com minhas falhas. Esta é a única parte que me cabe. Toda virtude, tudo o que faço de correto, vem de Ti, da tua graça. Sem Ti eu sou como o Jordão que corre até o Mar Morto, e ali morre.
Como é difícil passar um dia em tua presença! Agora entendo o salmista, dizendo que vale mais um dia nos teus átrios do que mil em qualquer outro lugar! Estes dias são tão raros quanto os diamantes, tão raros quanto pérolas escondidas nas profundezas do oceano. Assim como estas pérolas só podem ser encontradas depois de uma busca incansável, mergulhando na imensidão escura do mar, assim também é um dia em teus átrios!
Como valorizo os primeiros dias! Dias em que a tua presença era tão real quanto tudo o que há de palpável neste mundo. Hoje caminho como um cego, tateando por todos os lados, clamando pela graça que há em tua luz. Entretanto, percebo que agora acabo extraindo virtude desta aparente desgraça. A escuridão é necessária para que a luz tenha valor. Não te pedi, nos tempos do primeiro amor, que eu pudesse valorizar a tua glória acima de todas as coisas? O Senhor ouviu a minha oração. Levou-me às profundezas da escuridão para que eu te enxergasse melhor.
Agora aqui estou, vendo que todo este mal cooperou para o meu bem, pela infinita graça e misericórdia do teu amor. Agora entendo que, assim como o Senhor fez com Jó, faz também a todos que ama. Leva-os aos abismos para lhes mostrar o valor da sua gloria. E depois de passarmos por estes abismos, podemos dizer: ‘Antes eu te conhecia só de ouvir falar, mas agora os meus olhos podem te ver’.
O Senhor impelirá a todo que foi alcançado pela tua graça a mergulhar no mar profundo. E a medida que o justo for mais fundo, tudo se tornará escuro. Mas haverá o dia em que ele encontrará uma pérola, como a que encontrei hoje. E todo o esforço do mergulho, todo o medo encontrado na escuridão, não será nada comparado a alegria que habitará o ser de quem encontra a pérola. Isto porque, como o Senhor disse, ‘o reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um homem achou e escondeu; e, PELA ALEGRIA dele, vai, vende tudo quanto tem, e compra aquele campo’.
Concede-me a graça de enxergar o valor do tesouro, para que eu passe cada dia da minha vida vendendo tudo o que tenho para comprar aquele campo!
Em nome do teu santo Filho eu oro, amém"

Vinícius Santos Albuquerque

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Domine os fatos ou eles te dominarão


Desimpregnar-se de si e aceitar que a vida não se curva diante de nossas vontades [pois "o coração do homem planeja o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os passos" - Pv. 16: 9], pode ser a mais dolorosa experiência humana. Saibamos, pois, que é o coração do homem quem escreve os caminhos de sua própria vida [e aqui não trato de teologia, simplesmente "falo como homem"]. Vida cinzenta e triste para os que maximizam sua dor por não abrir mão de suas vontades, vida colorida e radiante para os que compreendem que nada sabem do que realmente deva ser sabido [portanto entregam-se a Deus, confiando que Ele sabe], e assim compreendem os fatos que lhe ocorrem, dominando-os [cientes de que "o coração alegre é como o bom remédio, mas o espírito abatido seca até os ossos" - Pv. 17: 22].

Nesse aspecto, de onde virá a alegria do meu coração? Será de outro lugar senão da gratidão ao Deus que salva gratuitamente [Hc. 3: 18]? Dele tudo vem, e de graça vem, ora, se o que tenho me é dado não porque mereço, mas gratuitamente, não devo então, querer nada que não me seja dado. A vida se vive em gratidão, ou pelo menos deve-se viver, e não entre murmúrios ingratos. Só assim tu "não cobiçarás".

Não compreender isso produz nos crentes de hoje em dia certa revolta-manhosa-de-filho-mimado com relação a Deus. Os discursos que salientam o fato de que "Deus concederá os desejos do teu coração" - portanto, cobice ele o que quiser -, apartam, os ouvintes de tais mensagens, da sanidade que abraça a todos os que, gratos, se voltam para Deus. Desse modo, temos crentes loucos, entregues às suas paixões pathos-lógicas [que secam até os ossos], cobiçando [o que não lhes é concedido], invejando [o que não lhes pertence] e lançado-se em combates e guerras [confiando em si mesmos] para conquistar seus sonhos adúlteros [Tg. 4: 2-4].

Estes confiam sem confiar, confiam em Deus como quem faz figa, como quem O usa como auxílio supersticioso afim de que aconteça o que eles querem que aconteça em algum momento, e enquanto isso não acontece, dizem estar "descansando em Deus", mas apenas descansam em sua própria esperança adúltera, agarram-se a seus próprios planos e desprezam o Senhor como guia de seus passos. São dominados pelos fatos que a vida lhes apresenta, se enrijecem por seus desejos imutáveis e intratáveis.

Não há outra forma de fugir disso senão "sujeitando-se a Deus", pois Ele "dá graça aos humildes, mas resiste aos soberbos" que pensam saber de alguma coisa. Só então, "resistiremos ao diabo, de modo que ele fuja de nós", somente quando dermos razão a Deus, como Senhor soberano e desfrutarmos, com gratidão, tudo o que temos recebido. Se não for assim, o diabo não encontrará resistência em nossas vidas, antes, encontrará auxílio, tornar-se-á colega de trabalho de cada um de nós.

Portanto, "sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida" (Pv. 4: 23), dê razão a Deus em Seus caminhos, abra mão da vida patológica de quem deseja o que deseja, e isso o faz até que os ossos sequem, resista assim ao demônio adúltero que habita dentro de si [você mesmo], e então, e somente então, resista ao diabo, e ele certamente fugirá de ti.

Por mais um dos que querem-querer-o-que-Deus-quer-que-eles-queiram, e nada além disso.