sábado, 12 de novembro de 2011

"Vai lá e volta aqui"

Um olhar triste e reflexivo, uma vassoura em mãos, uma pausa no trabalho...uma simples servente da universidade, paralisou o dia de um universitário, imprimiu-lhe a simplicidade, ensinou-lhe algo para além da reflexão.

"O que pode haver que seja tão digno de receber o tempo dessa mulher? Por que seu olhar está tão distante?" - Tais questões intrigavam o universitário.

"Por que você está tão longe mulher?" - Perguntou o moço curioso.

"Você acha que eu tô longe é?" - Respondeu-lhe com alegria, pois não perdera a sensibilidade necessária para apreciar cada encontro, mesmo estando todos os dias a limpar os corredores por onde passam corridos aqueles que não tem tempo para encontros que não se encontrem em sua agenda. Assim alegrou-se por ter sido dada a ela a oportunidade de partilhar das maravilhas nas quais meditava.

Ela refletia sobre a morte e sua angústia, sobre a dor e a misericórdia, sobre a resposta que se deve conceder ao que é incompreensível. A notícia do dia era que um jovem policial matara a própria mãe e cometera suicídio. Quem compreenderá tal atitude?

"Ele merecia morrer mesmo" - Diriam os que desacreditam totalmente dos recomeços, e lançam para fora do navio da existência qualquer "peso inútil e desagradável".

"Ele era louco e precisava ter sido tratado." - Diriam os mais misericordiosos e que acreditam na possibilidade de se prever os desalinhados movimentos da psiquê e neles intervir.

"Como alguém assim podia estar em tal função?" - Diriam os que estão demasiadamente preocupados com a massa para perderem tempo com as dores dos indivíduos.

Mas essa tão surpreendente personagem, não perdia tempo em discussões e conclusões tão tolas, ela fora além e voltara.

"Diante disso a gente faz assim: Vai lá e volta aqui." - Ela afirmou. Por isso estava distante, porque estava "lá" em sua própria dor, na perda de um tio há poucas semanas. Já eram avançados seus dias, e por isso morrera. Ele se foi, e carregou consigo um grande bocado da história daquela simples senhora, no lugar deixou saudade, lembranças de sua bondade.

Então, possuída pela angústia da perda, ela "voltava aqui", no tema inicial de sua reflexão: o jovem assassino. Ali estava a simples faxineira, varrendo seu interior, colocando as coisas no lugar, para não suceder que a dificuldade que possuía em compreender as atitudes daquele jovem assassino, lhe matasse também o ser, para que não fosse ferida pelo ódio ou por seu próprio desejo por justiça.

Ela perdera alguém, e grande era sua dor, mas tal perda fora natural, como convém a todos, ao contrário dos que perdem alguém de modo tão brutal. Ninguém julga a morte quando ela vem como fato natural da existência, como mero fim de uma longa jornada, mas quando pela imoralidade é arrancada brutalmente a vida, então cabe a todos os ofendidos julgarem a causa. No entanto, aquela simples faxineira não se via no direito de julgar nada a não ser que "o rapaz estava longe de Deus". Sim, ela tivera tempo para olhar para o caso, considerando a miséria do réu.

Entre suas idas [às suas próprias dores] e vindas [às dores dos familiares e do réu], lágrimas desciam por sua face, não somente pela perda de seu tio, mas pela miséria do jovem assassino, pela dor dos parentes que viverão com tão terrível lembrança, pela mãe que morrera pelas mãos do filho.

Tendo feito a limpeza de seu próprio ser, com o auxílio dAquele que sempre lhe acompanha e lhe consola as dores, a simples faxineira tornara-se Luz, singela e humilde em um mundo caótico, superara a própria dor, vencera as próprias questões, derrubara o ódio, alimentara-se de compaixão e graça, enchera-se de prudência e agarrara-se ainda mais ao Seu Consolador. Ela não possui diploma nem conhece a vida por meio de artigos, não tem capacidade de pensar em soluções para nossa sociedade, mas mostrara, sem a intenção de fazê-lo, que estava muito mais preocupada em salvar o mundo do que julgá-lo. A vida ela aprende na dor, na angústia e no Consolo, no desespero e na Redenção, no encontro com Seu Criador, no quarto escuro de seu próprio ser. E no universo das reflexões, nenhum filósofo apresentou tão grande capacidade reflexiva, pois basta "ir lá e voltar aqui" com Deus para que tudo seja muito mais que idéias e conclusões éticas, sejam Vida e Paz.