terça-feira, 22 de março de 2011

Sem dívidas ou devedores


“Então, Pedro, aproximando-se, lhe perguntou: Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete. Por isso, o reino dos céus é semelhante a um rei que resolveu ajustar contas com os seus servos. E, passando a fazê-lo, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. Não tendo ele, porém, com que pagar, ordenou o senhor que fosse vendido ele, a mulher, os filhos e tudo quanto possuía e que a dívida fosse paga. Então, o servo, prostrando-se reverente, rogou: Senhor, sê paciente comigo, e tudo te pagarei. E o senhor daquele servo, compadecendo-se, mandou-o embora e perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem denários; e, agarrando-o, o sufocava, dizendo: Paga-me o que me deves. Então, o seu conservo, caindo-lhe aos pés, lhe implorava: Sê paciente comigo, e te pagarei. Ele, entretanto, não quis, antes, indo-se, o lançou na prisão, até que saldasse a dívida. Vendo os seus companheiros o que se havia passado, entristeceram-se muito e foram relatar ao seu senhor tudo o que acontecera. Então, o seu senhor, chamando-o, lhe disse: Servo malvado, perdoei-te aquela dívida toda porque me suplicaste; não devias tu, igualmente, compadecer-te do teu conservo, como também eu me compadeci de ti? E, indignando-se, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que lhe pagasse toda a dívida. Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a seu irmão.” (Mateus 18: 21-35)

E diante de tão grande compaixão ainda há alguém de quem eu possa não me compadecer?

Se a dívida impagável é revogada pela misericórdia absoluta, porque ainda exigirei que outros me paguem o que devem? Se com Ele está tudo certo, logo com todos também está. Se de cima vem perdão, aqui em baixo só pode haver também. Qualquer um que, verdadeiramente, esteja ciente de que o escrito de dívida foi rasgado diante de Deus, rasga todas as notas promissórias de seus irmãos e não somente deles, mas também de seus inimigos.

“Ninguém me deve mais nada”, é o que pensa aquele que sente o fardo pesado da culpa sair de sobre seus ombros. Não há quem me deva...

tolerância ou compreensão no dia em que eu estiver cansado,

atenção e apoio quando me encontrar enfermo,

retribuir meus bons atos,

fidelidade por eu ser fiel,

respeito por eu ser respeitoso,

amor por eu amar.

Daí em diante inicia-se uma nova caminhada, para fora de si mesmo, para fora de seus desejos e exigências. O espírito dilata, o coração se enche de perdão, deixa-se a pequenez do ser e torna-se grande, abandona-se a mesquinhez de quem quer que tudo seja como quer que seja, e passa a aceitar as diferenças, a compreender as oposições. Se aprende a ficar com o prejuízo, a aceitar a calúnia, a dar a outra face, abandona-se a vingança, o ódio, a amargura e o rancor. Deixa-se de lado a justiça própria, aliás, nenhuma outra justiça parece lógica senão a que diz que para cada réu há absolvição.

E se essa é a perspectiva que se tem sobre o que é justo daqui pra frente, então já não há mais juízo a ser estabelecido acerca de ninguém, não há medida com que se deva julgar.

O escrito de dívida que o mundo inteiro tinha contigo, agora está rasgado. E quando foi isso? Na cruz, e não somente ali, na plenitude dos tempos, mas antes dos tempos existirem. É diante desse perdão que me perdoou e te perdoou, antes de eu e você existirmos, que devemos perdoar o mundo inteiro, antes que ele peque contra nós. Desde a mãe desatenciosa ao pai omisso, do irmão opressor ao primo dedo-duro, da atendente mal-humorada ao patrão arrogante, todos estão livres para nos ofender como quiserem.

O contrário disso é caminhar carregando culpas e culpados nas costas, e com existência pesada enfadar a alma, encontrando devedores na rua o tempo todo, agarrando-lhes pelo colarinho, sufocando-os com ódio, encarcerando-os em seu coração, oprimindo-os com suas palavras. É julgar tudo e todos, viver a frustração de quem quer ordenar cada acontecimento do universo para alcançar paz. É viver com coração ingrato, incapaz de desfrutar da maravilha de existir para a glória de Deus.

Por Gustavo Marchetti, mais um dos que, antes perdoados, agora, perdoam.