segunda-feira, 11 de abril de 2011

Orações céticas

Quando olhamos para a história de Bartimeu, pensamos ser óbvia a resposta dele diante da pergunta, a nosso ver, retórica de Jesus: “Que queres que eu te faça?”. Mas será que realmente a resposta é tão óbvia? Recentemente, eu e alguns “amigo-irmãos”, fomos convidados pela moradora de uma casa onde toda a família era constituída por cegos, a entrarmos e orarmos por eles. Enquanto fazíamos um trabalho de evangelização em Viana, ela ouviu dizer que estávamos visitando algumas casas e, ao saber que passávamos próximo a sua casa, pediu para que uma vizinha nos chamasse. Uma história parecida com a de Bartimeu que, ao ouvir que a multidão que seguia com Jesus se aproximava, começou a clamar por misericórdia, no entanto, há alguns pontos que diferem entre os “gritos” desses cegos.

Em Bartimeu vemos um clamor incessante de alguém que não duvida da esperança que lhe está proposta naquele momento, em nossa amiga cega, vi a “esperança des-esperançosa” de alguém que apenas desistiu de compreender seu sofrimento e passou a viver com ele, ainda sem aceitá-lo, tornando-o, para si mesma, constante lembrança do des-amor de Deus, sendo isto para si, sinal de abandono de Sua parte, de modo que ainda que não seja deixada a oração, abandona-se a fé nAquele que a ouve.
A seguimos e, ao entrar na casa, senti-me espantado com o cenário, era escuro e as paredes estavam manchadas pelas águas das enchentes que vez ou outra agridem o lugar. O ambiente era de tristeza e os rostos dos moradores transmitiam uma sensação de abandono. Esse espantoso cenário de sofrimento irremediável era propício à proliferação da incredulidade. Palavras não podiam ser confortantes, mas era isso que ela esperava de nós quando dizia: “Orem! É sempre bom ouvir uma palavra”. Não tínhamos assunto, não tínhamos argumentos, mas o pior de tudo é que eu não tinha sequer uma oração a fazer.

Senti-me impotente diante de tal situação. Não conseguia crer em nenhuma mudança na realidade daquelas pessoas, e nem mesmo cria na mudança que poderia acontecer no interior delas. Diante do que vi, perdi a fé.

O que vi era que naquele momento iríamos orar para um inimigo, havia uma guerra entre nós e Ele, uma luta entre homem e Deus. De fato, não é isso que se espera de uma oração, mas os calos que a vida produziu na alma daquela família transformaram o ambiente em um campo de batalha. Uma guerra fria, hipócrita, estava sendo travada. A boca dizia: “Falemos com Deus”, e o coração completava: “Ainda que Ele não nos ouça”. Estávamos prontos a iniciar um ritual religioso, purificador de mente, para acalmar a ira de um deus pagão afim de que, desse modo, pelo menos, não sobreviesse àquela casa maior desgraça. De fato, nenhuma oração feita naquele momento, seria para Deus, pois é difícil assumir tal estado, o que tornava toda oração efetuada sem fé e mascarada.

Perguntei a ela se queria que orássemos por alguma causa específica, uma pergunta semelhante à do Mestre sem, obviamente, a mesma ousadia (“Que queres que eu te faça?”). Ao que recebi a resposta de que não havia nada específico, apenas que eu orasse, pois “sempre é bom fazer uma oração”. Aquele momento se tornou mais um. Aquela oração seria mais uma. Nada iria mudar, só faríamos uma oração. Era eu perguntando para ela, e ela sabia que eu nada podia fazer, e que minha oração nada iria mudar, mas ainda assim, pensou que deveríamos orar. Por isso afirmo que não é óbvio que um cego diga: “Eu quero ver”. O que torna óbvia tal resposta é Aquele que faz a pergunta.

Diante disso, passei a bola, pedi a meu amigo-irmão para orar, mas em meu coração, eu sequer participei de sua oração. Vi-me sem palavras e optei pelo tolo silêncio, me uni àquela cega em seu sofrimento amargurado e me calei diante de Deus. Preferi não ser hipócrita e nem cogitei a possibilidade de ser sincero em minha oração, por isso, calei-me. Vejo quantas orações são reproduzidas deste modo, são feitas apenas para fugir da maldição, para lavar a consciência, para firmar uma aliança de segurança com um deus que pune e agride os que não lhe oferecem seus holocaustos. São orações feitas por aqueles que desconhecem o Deus que é amor. O Deus que pôs a criação no berço de Sua graça e ninou cada criatura com Seu amor infínito. O Deus que, na Cruz, tornou público o decreto de paz com os homens e o fez conhecido em todas as regiões.

Conectando as histórias dos cegos que foram curados por Jesus, posso ver nos Evangelhos sinóticos, que Bartimeu já havia ouvido falar que Jesus, o Nazareno, havia curado dois outros cegos que diante da pergunta: “Credes que eu posso fazer isso [curá-los]”, responderam que sim. Esses dois cegos divulgaram a fama de Jesus “por toda aquela terra”, fizeram-no conhecido. Certamente a fama de Jesus chegou a Bartimeu antes dEle mesmo, de modo que ao ouvir dizer que Jesus se aproximava, não havia dúvidas de que seria curado, por isso repetiu o ato dos outros dois cegos, clamando pelo Filho de Davi, sabia que o mesmo que fez faria novamente. Se eu e aquela mulher soubéssemos quem se aproximava de nós enquanto orávamos, oraríamos de modo diferente.

Pediríamos para que a vontade Dele fosse feita, sabedores de que esta é boa, e que ainda que difira da nossa, irá cooperar para nosso bem, de modo que não viveríamos frustrados por que o mundo não gira conforme nosso querer, nem porque o que nele acontece não está sujeito a nossos desejos. Estaríamos cônscios de que as árvores não têm obrigação de se inclinarem para nos fazer sombra, e que, por vezes é melhor permanecer debaixo de sol escaldante para que se valorize o frescor do vento que sacode os cabelos, e assim a alma se torne mais grata e menos murmuradora, mais voltada para o Pai e menos para si mesma. Entenderíamos que é melhor ter olhos que não vêem que um espírito cego. Saberíamos que não estávamos pedindo a alguém que se mantém indiferente à nossas necessidades, como se falássemos de nós para nós mesmos, dando a este monólogo o nome de petição, mas Àquele que de todas elas cuida. Não ritualizaríamos a oração, transformando-a num sacrifício feito para acalmar os ânimos de um inimigo, mas a veríamos como a oportunidade de descansar nos braços dAquele que permanece eternamente em paz conosco através de Cristo Jesus.
Desse modo, se nos víssemos diante de Jesus, conhecendo a fama e a capacidade de Jesus, sentindo Jesus, vendo Jesus pela fé (Bartimeu não O via, mas sabia que Ele estava ali), então diríamos: “Eu quero ver! E se melhor for que eu não veja, o tempo me mostrará o bem-oficio Seu. Consinto com Sua vontade, dou razão a Teu querer, não temo o que fazes nem me oponho a Ti, pois sei que teces a minha vida com linhas de amor. Não travo guerra amargurada, nem encho minha boca de palavras hipócritas, pois o que tenho a dizer a Ti é: A Tua graça me basta. Creio que tudo podes fazer, por isso te peço para que eu torne a ver o quanto amado por Ti sou”.

Por Gustavo Marchetti, mais um cego que dificilmente enxerga o amor com que é AMADO.